Dizia Claudio Naranjo que é pelo resgate da sabedoria (Sophia) instintiva, intuitiva e relacional que se configura a condição necessária, esquecida da humanidade, da sua potencialidade natural de transformação, onde um sentir coletivo se revela como uma desidealização da civilização mesma, para uma “era da consciência” ou “revolução da consciência” , que a Gestalt terapia simbolizava desde seus primeiros passos nos movimentos da contracultura dos anos de 1960. Mas, que não alcançou um lugar de mudança determinante capaz de desconstruir nosso sistema piramidal de dominação e adestramento, posto em prática por uma educação obsoleta que sustenta um modelo planificado com o objetivo cada vez mais perverso de tornar as crianças e jovens agentes de um mecanismo de produção industrial e lucro, como único critério para medir o êxito ou fracasso na vida. Seja como for, ainda que Claudio tenha sido um pioneiro em várias investigações de caráter psiquiátrico e psicoterápico sobre a mente humana, em especial a personalidade, durante anos Claudio se moveu não apenas entres os continentes, como afirma, no ritmo de uma baleia, mas continuamente revelava uma via indelével na qual um processo didático-terapêutico se configurava como uma programa que iluminaria toda sua trajetória para uma transformação radical na educação, seu programa SAT.

Todavia, é no âmbito da psicoterapia que compreendemos uma dicotomia entre dois sistemas, um que reflete o padrão de dominação, baseado na patologização da linguagem e, consequentemente, na subjugação dos sujeitos que sustenta o próprio sistema educativo; outro, um sistema colaborativo, baseado no equilíbrio dos três amores, pelo qual surge uma nova política da consciência, ainda que não esteja restrita apenas a processos psicoterápicos, nos faz rever as reverberações de uma psicopatologia do caráter na sociedade da qual somos os criadores, e tomar consciência do que chama de um “pecado” que nos chega através de gerações. De todo modo, tinha esperança Naranjo que uma mudança paradigmática, que refletisse essa via colaborativa pudesse ser implementada em nossos sistemas de educação, desde os primeiros passos na educação primária, enfatizando o que chamou de competências existenciais. Como o amor ao próximo, a atenção ao aqui-e-agora e ao desapego, ou às orientações de matriz dionisíacas, que põem em evidência a liberdade, a espontaneidade e a sintonia com as nossas tendências naturais e com a natureza. E, o autoconhecimento, como forma de amor a si mesmo que tem alcançado seu maior desenvolvimento na moderna via de crescimento, justamente, a própria psicoterapia.

As práticas que ativam essas competências são, portanto, originárias do seu programa para o desenvolvimento humano que, a partir do eneagrama da personalidade,  um modelo de compreensão de modos de ser do ser humano, que se constitui como uma verdadeira psicologia do Ser e, que, põe em evidência aquilo que não somos em nossa essência, em nosso ser, e que só pode ser resgatado por uma via amorosa, poética, na busca de si mesmo a partir de nosso sistema  familiar originário, um rede que se refletirá por uma hermenêutica iluminativa, investigação que percorre um processo sistêmico vivencial de transformação desde os primeiros passos do ser humano.

Assim, através de uma semântica que nos orienta por um mapa, e que indica os sinais no espaço e na temporalidade de nossas vivências,  reflete-se a trilogia que constitui nossas faculdades de entendimento, o intuitivo, conativo e o cognitivo, uma dinâmica cooperativa de um mundo compartilhado, um construto com base na historicidade própria a cada indivíduo para sua pessoalidade. Esse núcleo é a sede das paixões (phatos) e entendimentos (logos) que buscam satisfazer uma singularidade psicossomática em que se revelam partes de um todo triádico com um potencial criativo de transformação, em última instância, favorece a hominização do ser humano na qual a vida se dá pelas manifestações de fenômenos estruturais, fruto de uma fenomenologia das emoções que realiza uma ética do cuidado e, que,  tem como ethos originário, o cuidar de si.

Assim, desde o desenvolvimento dessas competências existenciais se põe em marcha o conhecimento de si, Gnothi seauton, “conhece-te a ti mesmo”, gesto originário da maiêutica socrática que Foucault reconhece na sua hermenêutica do sujeito devedora, exatamente, do cuidar de si, de modo que, configura-se uma mudança de matriz na rota do conhecimento sobre si mesmo, pano de fundo de toda psicoterapia e, como base de toda educação.

Claudio Naranjo a partir de um laboratório vivo, experiencial ao longo de mais de 40 anos, realiza experimentos em diversos países confirmando o caráter multidisciplinar e multicultural de suas pesquisas dentro de uma lógica, na qual o aprendizado dessas competências existenciais estão,  fundamentalmente, orientadas para o processo terapêutico e o autoconhecimento. Ou seja, atuam sobre temas que desvelam estruturas de relacionamento para além de uma consciência objetal determinada por um aparato psíquico operador de um eu, ou das expressões de um self, ou como se queira chamar essa unidade de representação posta pela linguagem e, que, revela a gênese da consciência mesma, capaz de um movimento transformador, inaugurando uma nova perspectiva para a educação, com ênfase, exatamente, nessas competências existenciais.

A ciência hermenêutica, nesse caso, constitui-se sob a égide dos relacionamentos reveladores da transparência dos vínculos, que autorizam a afetividade nos encontros e desencontros em cada momento de entrega e, que, se realizam por uma espécie de contágio da relação amorosa triádica, posta pelo amor erótico, amor compassivo e o amor admirativo, desde as tradições sapienciais. Isso implica que as enfermidades psíquicas são problemas originados no desequilíbrio do amor, ou melhor, na esfera das três formas de amar, e suas origens podem ser atribuídas a uma disfuncionalidade do sistema familiar que é transmitida de geração a geração, como uma praga emocional constitutiva da própria civilização, perpetuando a verdadeira tragédia humana ao longo da sua história, a mente patriarcal.

É, portanto, através do desenvolvimento de uma consciência amorosa, como reenvidica Naranjo no poema tiunitário, que nos tornemos libertadores do amor e amantes da liberdade, todavia,  vivemos de acordo com o paradigma patriarcal de uma autoridade violenta e idealizada que nem percebemos, embora nos fosse conveniente estabelecer o paradigma triunitário, um  abraço a três  da família saudável: “o pai que olha para o céu, a mãe que olha para a terra e a criança interior que em seu voo olha para frente, o pai que manda sem mandar porque entende e inspira a mãe que cuida sem se cuidar porque ama e a criança que age sem agir porque é puro movimento.” Bem como na família interna das três subpersonalidades em nossa mente tricerebrada, como revela a neurociência: o cérebro instintivo, o cérebro límbico e o neo-córtex.

É desde seu grande empenho para uma transformação profunda na educação ou através da educação, que mira essa mudança paradigmática, Cláudio nos deixa bem mais que esperanças para a continuação desse projeto, que a Academia de Ciências e Artes Contemplativas, por sua natureza investigativa, colaborativa e solidária se propõe a impulsionar, servir e cuidar, para uma era da consciência plena, iluminativa.

 

“Aqui também os deuses estão presente”

  Heráclito

Conferencia sobre educação- Belo Horizonte 2007

por Claudio Naranjo

Competências Existenciais

Consciência e Cuidar

Educação