Manifesto de abertura
Academia de Ciências e Artes Contemplativas Claudio Naranjo
Manifesto de abertura
por Reginaldo Menezes
“Ó luz celeste! Não nos ensinaram os homens. Já vai longe o tempo em que, com o coração ardendo de alegria e não sabendo encontrar a terra sempre viva, nós voltamos para ti e, confiantes, como plantas, abraçamo-nos contigo longa e cegamente em nossa alegria e gratidão. Pois um mortal mal reconhece a pureza. Mas, quando o espírito floresceu em nós, como tu floresces, nós te reconhecemos e clamamos: és a própria vida. E porque viajas entre os mortais e jovial, como o céu, lanças de ti raios brilhantes sobre cada coisa, para que todas as coisas tenham a cor de teu espírito, foi por isso que também para nós a vida se fez experiência de criação. É que, em nós estava tua alma. E assim como tu, também o nosso coração se entregou livremente à terra grávida, à terra sofredora. E muitas vezes na noite santa, prometemos amá-la, com fidelidade e sem medo, até à morte, amar esta terra, toda carregada de destino e nunca desprezar a nenhum de seus mistérios”. Hölderlin (Tradução Emmanuel Carneiro Leão)
Queridos amigos,
Diante da degradação do planeta e dos sinais de uma verdadeira catástrofe à nossa própria sobrevivência, nos alertava Cláudio Naranjo, que era preciso lançar boias salvíficas para o destino inevitável, que virá!
Aprendemos em nossa jornada que ser e tempo refletem a absoluta necessidade de vivermos a plenitude da nossa humanidade, que no avançado da hora testemunha os estertores finais da nossa época, ou da própria civilização como a conhecemos. Sejamos, portanto, sementes originárias de uma grande semeadura que deu frutos, e que deve ser cultivada na alegria da terra fértil gerando um novo espírito de comunidade que possa com sabedoria servir e cuidar.
Todavia, para servir temos que renunciar às nossas conquistas e aos nossos fracassos, e ramificar a originária semente recebida, em especial de Cláudio Naranjo, um dos últimos titãs diante do patriarcado, que desde a notável revolução iniciada e esquecida nos idos de 1960, na compreensão da condição humana e da humanidade do homem, reflete os longínquos passos das tradições sapienciais. Urge esse novo tempo da consciência, cujas realizações consagram às artes e ao ser um plano cosmológico, notadamente à música, que a tradição nos conta na força das bacantes e coribantes, ao provocar o transe com o ritmo e a melodia em si mesmas e, em quem quer que esteja à sua volta.
Dizia Naranjo que uma contemplação mística e mistérica vinda de Bach, Beethoven e Brahms, configura uma tríade musical que reflete os princípios dos dons divinos, experiência reveladora da intima relação entre o homem e a totalidade, cosmogonia em que a divindade condensa um princípio triádico em três formas de amor, ou pelo menos de amar, que desvela a linguagem poética de uma hermenêutica musical, o Espírito Santo de Brahms e a música das esferas, em que Bach nos fala do cosmos e das órbitas circulares dos corpos celestes, enquanto Beethoven, é a expressão do processo da própria experiência humana, que ao falar de si mesmo pode chegar a encarnar uma dimensão espiritual despertando para um mundo interior.
Sabemos desde os velhos mitos à Grécia antiga, ou na Santa Trindade que o Ser é amor e, que, na ontologia de Naranjo se revelam em três formas distintas de amar: eros, ágape e philia constitutivos de um ethos originário que, ao se manifestar nessa via triunitária põe em marcha um metabolismo do amor. E ainda, nos diz a tradição originária, epifania da experiência humana, que, quando nos referimos ao Bem, ao Belo e à Verdade, na realização do nosso destino é que se manifesta a divindade de Eros.
Assim, desde as tradições sapienciais, a alma do mundo que se constituiu no princípio dominante de toda physis, parece que possui uma natureza trina, que a recomendação rabínica afirma no precieto: “ama ao próximo como a ti mesmo e a Deus sobre todas as coisas”, onde podemos reconhecer diferentes formas de amar que dispõem à nossa cultura a condição natural de um ethos triunitário constitutivo de nossa existência, não como uma estrutura fixa, mas desvelados na experiência originária da intima amorosidade do ser humano consigo mesmo e com outros, fenômenos da vida contínua que flui e que promove a finalidade do amor universal do qual ninguém pode escapar.
É no Simpósio de Platão que se revelam, então, os primeiros contrastes ao tema do amor, a própria palavra philo-sophos indica uma espécie de amor: o amor como sabedoria, que no inicial discurso dos comensais, Fedro consagra como a mais admirável das divindades, tanto para os homens como para os deuses, ao insistir na primazia do deus, antes de tudo por seu nascimento, relembrando os velhos sábios que diziam: “…antes o Caos existiu, vindo a Terra a seguir, de amplos seios, inabalável assento das coisas; depois chega Eros…veio em primeiro lugar, nenhum deus antes dele.” De modo que, sabemos que a linhagem como princípio nos oferece a alternativa de um regime ancestral em que comuns imagens não podem ser questionadas, mas sofrem modificações em seus regimes autopoiéticos.
Assim, ao consagrarmos à dimensão extraordinária desse pensamento, o desvelar do “obscurecimento ôntico”, concomitantemente, se revela uma Psicologia do Ser e seu metabolismo do amor, consagrado na via histórica da originária escola platônica, tanto quanto na sua hermenêutica musical, que nos conduz aos mistérios de uma música cósmica, sagrada, que ressurge aqui na Academia de Ciências e Artes Contemplativas Claudio Naranjo, na incansável investigação para a sabedoria (σοφία Sophia), que ao longo do tempo atualiza a compreensão dos processos evolutivos da consciência.
Cláudio Naranjo na sua jornada existencial, em companhia de buscadores, bodhisattvas, iluminados mestres e avatares da consciência, empreende uma verdadeira viagem do herói, e faz evoluir em todas as áreas de seu interesse que incidem diretamente tanto na clínica, como nas áreas educacional, social, espiritual e simbólica o próprio devir da sua ontologia. Dizia, então, Claudio, seguindo a tradição dos pensadores originários: “onde quer que o ser pareça estar, ele não está…o ser só pode ser encontrado de maneira mais improvável, através da aceitação do não-ser e de uma jornada através do vazio.”
Portanto, parece incontornável diante da trágica situação em que nos encontramos, que as escolas psicoterápicas e sapiências como o budismo, em que Cláudio nos surpreende com sua práxis dionisíaca – budismo dionisíaco – ressignificado o mito e a própria tradição Theravada, para uma prática meditativa devocional através da música, tornem-se para nós parte de um contexto terapêutico que transmiti uma fé implícita na natureza instintiva e na espontaneidade ao promover um salto para uma consciência plena e, atualizar a ideia de complementariedade entre o não fazer e o fluir, numa aparente ambiguidade pelo controle da mente e deixa-la livre, isto é, renúncia apolínea aos impulso e a não interferência à corrente da vida, um gesto dionisíaco na forma do desapego que configura uma abertura do espaço iluminativo para nossa maturidade psicoespiritual.
Pois, o contrário, é o materialismo espiritual ou as terapias que estão a serviço da adaptação de uma sociedade enferma, cientificista, onde há muito tempo já se perdeu a potência da própria psicoterapia como autoconhecimento sanador e instrumento educativo, já que, em certa medida, é a clínica mesmo que realiza uma atividade potencial desse ajustamento macabro. Somos processo que ocorrem, e ao nos identificarmos com eles nos equivocamos, nos tornamos uma identidade permanente.
Sendo assim, uma investigação, em sua potência desconstrutivista, tarefa iminente de uma hermenêutica iluminativa, passa a ser a integração de mundos irreconciliáveis em que se abre um horizonte de perspectivas para a construção de uma nova terapêutica, mudança paradigmática, via poética onde fenômenos revelados em atos criativos, autopoiéticos, comprometidos com o próprio desenvolvimento da consciência realizam a integração das polaridades e das diferenças. Então, pode-se compreende que toda relação é terapêutica, já que o próprio sentido do verbo grego therapiano, nos lembra o saudoso e querido mestre Carneiro Leão, diz servir e ajudar, primordial à condição humana.
Por conseguinte, ancorados numa psicologia do ser, ou dos eneatipos, como a nomeia Naranjo, nos reunimos aqui no colaborativo espírito compassivo, não apenas para acompanhar, mas modificar os processos clínicos. E, atualizar esse poderoso instrumento de autoconhecimento, o eneagrama da personalidade, rumo a uma desperta espiritualidade em suas ramificações com outros saberes, como o teatro, a dança, a música que impactam não apenas na clínica psicoterápica, mas também na formação geral do homem pós-moderno, uma nova paidéia.
Ao abarcar a cultura, a literatura, as tradições sapienciais e a educação, no resgate da utopia, Naranjo conjecturava a antecipação de uma revolução que esperávamos, onde revelar-se-ia o ethos originário da própria constituição da mente humana, a saber: a inconsciência a aversão e a avidez, como modelo estrutural que tem suas raízes nas três posições relacionais constitutivas do psiquismo, que remontam no pensamento budista à trilogia dos impedimentos (kleshas) de uma plena consciência: a ignorância, o apego e a aversão.
Freud também reconhece a mente na sua dimensão trinitária, ainda que fruto de um Eu fragmentado, como fenômenos específicos que marcam a dinâmica do comportamento emocional do ser humano, linguagem que revela uma superestrutura baseada nas vivências familiares e relações parentais que orientam o comportamento enquanto doam sentido a cada modo de ser.
Sendo assim, o que está em jogo tem como metapolítica à consciência, relações sistêmicas baseadas na compreensão experiencial das diferenças, onde emoções orientadoras dos hábitos surgem na intimidade dos conflitos, e enfatizar um resgate, ou melhor, um estado de amor no cultivo de estruturas democráticas tanto no seio da família como nas instituições sociais, uma cooperação igualitária entre mulheres e homens na crença de que a natureza promova relações empáticas de respeito mútuo que buscam compreender os processos e as necessidades da própria sociedade, que se constituem como um ideal de humanidade.
Outrossim, podemos delinear nosso programa de autoconhecimento como uma evolução histórica da consciência, que nos guiará na integração a esses velhos mundos. E, que revela, também, a utopia de nos tornarmos seres realizados, que não podemos declinar, sob pena de uma degradação terminal que nos alcançaria cedo ou tarde. Ou, como profetiza Freud sobre um mal estar na civilização: “a meu ver, a questão decisiva para a espécie humana é saber, e em que medida, a sua evolução cultural poderá controlar as perturbações trazidas à vida em comum pelos instintos humanos de agressão e autodestruição.”
Seja como for, ainda que nos aplaste a constatação melancólica dessa advertência, que trás o controle em sua pregação, ainda que seja inevitável e necessário o processo de morte e ressureição do ego, que também possamos dizer do pré-pessoal ao pessoal, ao transpessoal e, finalizarmos o manifesto do nosso programa com o poema – o paradigma triunitário – que nos reserva as palavras originárias iluminadoras da esperança de Cláudio Naranjo.
O Paradigma Triunário
El paradigma triunitário
Claudio Naranjo Cohen
“Hace mucho tiempo los humanos inventaron el mando
Ya se afirma a través do poder violento
Y desde entonces celebramos la orden establecida
Y sustentaba la amenaza, lo llamamos la civilización.
Pero, no es tan bella la civilización cuando miramos de cerca
Pues entonces descubrimos que desde qué legitiman la obediencia a la autoridad, amenazante, nuestra historia se ha vuelto un rio de sangre
Y ya solo conocemos seres humanos domesticados
Los mitos nos cuentan que caemos del paraíso
y algunas feministas imaginan que fue mejor el mundo
cuando la tierra era un grande jardín
y sus habitantes una sociedad aglutinada por el espíritu da las mujeres.
Pero (sospecho) que aún en los tiempos de la sociedad matrista pre-histórica
obedecía ya al espíritu tribal
Y cuando una tiranía de grupo, paralizante nos domesticaba y limitaba
Y parecía que se rebelaron los hombres
cómo nos recuerdan los mitos de Perseu y la Gorgona
O el Apolo que se dice que mató la gran serpiente
apoderándose de la grandiosa de la tierra.
Parece que solo antes de todo aquello fuimos felices,
y que por más que solíamos morir de hambre y frio
nos manteníamos solidarios y justos.
Pero ya hace mucho tiempo desde que nos vuélvemos injustos y egoístas
viviendo según el paradigma patriarcal
de una autoridad violenta y idealizada
que ni siquiera percibimos
aunque nos convendría instaurar el paradigma triunitário
del abrazo a tres entre el padre la madre y los niños en la familia sana
así como en la familia interior de las tres sub-personalidades
en nuestra mente tricerebrada.
El padre que mira el cielo, la madre que mira la tierra
y el niño interior que en su vuelo mirase al delante
el padre que manda sin mandar porque comprende y inspira
la madre que cuida sin cuidar porque ama
y el niño que actúa sin actuar porque es puro movimiento.
Reconiecen los hindus los tres principios universales
Como Bharma el criador
Vishnu el protector
Shiva el señor de la transformación
Y otros hablaran
de la santa energía, de la santa inercia
y la santa neutralidad, que podemos también recorrer
en la trinidad de la inteligencia en el amor
y la sabedora orgánica del instinto.
Pero nuestra cultura deteriorada hemos perdido el amor materno
Y desdeñado a la sabedoria animal y corporal
Y solo nos queda la mente empobrecida y insular de un padre
que se volvió un tirano al someter la madre y los hijos,
convirtiéndose en un fantasma enemigo de la vida.
Pero es hora ya de que comprendiendo los daños
que nos ha causado el espíritu despótico y violento y represivo
del padre absoluto.
Nos volvamos liberadores del amor y amantes de la libertad
para así pasar del paradigma patriarcal
al paradigma triunitário, holístico
un abrazo a tres, el padre la madre y el niño
en la familia en nuestras mentes en nuestros valores
Y hasta nuestra forma de gobierno.
El mando central, el mando tribal, democrático y el mando anárquico de cada cual
sobre sí mismo.
Entonces podríamos decir,
nuestro padre nuestro, sino que madre nuestra y hasta niño nuestro
Sobre todo, el ser triple que es más nuestro
parte de la vacuidad a la que todo pertenece
que todo contiene y a la vez regala
es tres veces el ser nuestro
se predica sin cañón y sin campana decía mi amigo Totilla Albert
Y añadiría yo que, sin poder ni propaganda ni dinero,
pues no se predica ni siquiera se enseña
sino que es, simplemente, se lo permite
como el orden natural
que aparecería cuando dejemos de predicar
de enseñar, hacer, pretender.
Y reconociendo nuestros errores, así como nuestra impotencia
Y nos rendamos a un orden diferente del que hemos venido estableciendo
Nuestra ignorancia, arrogante…pero ¿qué digo?
Acaso hay alguien que pueda hacer algo frente al poder patriarcal
que nos viene arrastrando hace al abismo
Podemos hacer otra cosa
acaso que tener fe en que la catástrofe del orden mundial
que hemos creado bastara para liberarnos
de manera semejante como en nuestra vida individual
la muerte del dios falso
es la condición suficiente para que regeneremos.
Tengamos esperanza entonces en el naufragio
de la nave patriarcal
a la que alguna vez nos entregamos
Y estemos preparados
por dejar atrás lo conocido
confiando más bien del abismo del cual procedemos,
que todo nos ha dado, pero
que hemos traicionado nuestro miedo
y toda nuestra voluntad de sobrevivir a toda cuesta.
Y así como en el libro del Éxodos se encaminaba, precariamente
el peregrino hacia la tierra prometida,
el pueblo siguiendo a dios que se la aparecía como llama, como coluna de humo
Esperemos que una vez colapsada nuestra economía y su despotismo
tengamos también la sutiliza de interesarnos
de las señas de una consciencia superior.”